Carta ao Leitor: Salto da civilização 5u1q4r
Cobertura de VEJA sobre IA destaca o esforço pelo progresso com respeito pela ética 2q4r1c

Não é a primeira vez, na história da civilização, que ocorrem preocupações alimentadas por descobertas que rompem com o ado — e inauguram outro tempo. A eclosão da inteligência artificial (IA), filha do conhecimento humano, suscita sobressaltos. Convém olhar, portanto, para um outro instante da humanidade, de modo a entender o incômodo que provoca: há dois séculos, os tecelões de Nottingham, na Inglaterra, foram ameaçados pela introdução do tear mecânico. Aqueles trabalhadores tinham vida digna, derivada da habilidade na confecção de meias e rendas em fabriquetas familiares. Nervosos, desesperados, entraram em guerra contra a tecnologia promovida pela Revolução Industrial, com greves e atentados, supondo perder os empregos. Fizeram líder um certo Ned Ludd, figura fictícia, sujeito que vomitava ódio contra o novo. O movimento foi batizado de luddismo, na grita contra o uso “fraudulento e enganoso” de máquinas para contornar “práticas laborais estabelecidas”. O tempo ou, o temor foi deixado de lado, substituído pelas oportunidades de trabalho. Assim será com a IA. Deu-se, no início da aventura, e não faz muito tempo, coisa de cinco anos, uma resposta “neoluddita”. É página que começa a ser virada.
Houve espanto, o receio de postos de trabalho dizimados e de impactos negativos na juventude, o óbvio no lugar do inventivo. Sim, há ainda muito a ser aprendido e vencido, e precisamos saber como lidar com a IA — mas ela deixou de ser o mal em si. Não é. VEJA, sempre atenta ao caminhar das inovações, trata do assunto desde sua origem. Ao longo de sucessivas reportagens, deu-se o registro da mudança de humores à medida que as tecnologias foram sendo aprimoradas e os temores acalmados, em nome da razão. Bill Gates, o criador da Microsoft, sujeito na gênese de tudo o que temos por aí, foi direto ao ponto, em uma recente palestra realizada nos Estados Unidos. Para ele, é irônico haver uma única área em que a máquina não pode superar a inteligência humana: a do próprio desenvolvimento dela. Sem nós, por mais óbvio que pareça, a IA seria ignorante.
Não há como apartar do cotidiano os saltos da IA, que logo trataremos como o oxigênio, vital, sem que percebamos sua existência, como aliás já acontece com a internet, que também nasceu debaixo do manto de pavor do que provocaria. O caminho: zelar pela sensatez, no avesso da desinformação e dos abusos econômicos. Nesta edição, VEJA oferece dois longos voos em torno dos avanços promovidos pelos algoritmos: a entrevista exclusiva de Páginas Amarelas com Kent Walker, executivo do Google responsável pelas questões jurídicas e relações globais da empresa, e uma reportagem especial em torno da IA na educação. Nos dois casos, destaca-se o esforço pelo progresso sem abandonar o respeito pela ética. Temos, enfim, uma ferramenta civilizatória que precisa ser cultivada com respeito.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947