Descoberta científica pode ajudar a tratar doença de Huntington; entenda w2oy
Atualmente não há cura para essa condição neurodegenerativa 4l681r

Mutações na proteína huntingtina causam a doença de Huntington, assim nomeada em homenagem ao pesquisador George Huntington (1850-1916), o primeiro a descrevê-la. A mutação leva a um alongamento anormal da proteína, favorecendo seu acúmulo nas células e desencadeando sintomas cognitivos, motores e psiquiátricos nos pacientes. O quadro é causado por um gene dominante, ou seja, basta herdar uma cópia alterada dos pais para que ele se manifeste. Ainda não há cura, apenas tratamentos para amenizar os sintomas. A doença de Huntington afeta cerca de uma em cada 10 mil pessoas e uma das principais abordagens terapêuticas em desenvolvimento visa reduzir os níveis dessa proteína nos pacientes.
Sabe-se que a mutação responsável pela enfermidade resulta de uma repetição anormal de trincas de nucleotídeos (moléculas que compõem o DNA), causando o alongamento excessivo da huntingtina. Esse processo ocorre durante o processamento do RNA mensageiro que codifica a proteína. Cientistas sugerem que interferir nesse mecanismo pode representar uma abordagem promissora para o tratamento da doença de Huntington.
O estudo é um desdobramento de pesquisas anteriores que investigaram o efeito de inibidores da proteína PRMT5 (Protein Arginine Methyltransferase 5) em células-modelo de pacientes com glioblastoma, um tumor cerebral agressivo. Nessa investigação, os cientistas observaram que o tratamento com inibidores da PRMT5 reduzia os níveis de huntingtina nas células, sugerindo um potencial alvo terapêutico para Huntington. No estudo mais recente, os pesquisadores testaram essa abordagem em células de pacientes com a doença e confirmaram seu potencial terapêutico.
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A PRMT5 atua no processamento do RNA mensageiro da huntingtina e sua inibição interrompe esse processo, causando uma terminação prematura do RNA e a degradação da proteína. Como resultado, os níveis totais de huntingtina nas células são reduzidos.
Os autores do estudo também identificaram que, durante a diferenciação neuronal, há um aumento nos níveis de huntingtina clivada e uma redução da produção de PRMT5, sugerindo que inibir essa proteína pode ser uma estratégia promissora de tratamento. Os dados foram divulgados na revista Nucleic Acids Research.
No estudo – fruto de colaboração entre cientistas do Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Singapura e Brasil, com participação de pesquisadores do Centro de Química Medicinal da Universidade Estadual de Campinas (CQMED-Unicamp) –, os cientistas investigaram o papel da PRMT5, uma enzima envolvida em vários processos celulares, incluindo o processamento do RNA. Utilizando células cultivadas de glioblastoma e fibroblastos de pacientes com e sem Huntington, eles aplicaram inibidores químicos específicos para bloquear a atividade da PRMT5 e usaram técnicas de silenciamento gênico (siRNA) para reduzir seus níveis.
As análises mostraram que a inibição da PRMT5 levou à redução dos níveis tanto do mRNA (molécula precursora da proteína) quanto da própria huntingtina. Os pesquisadores descobriram que esse efeito está relacionado à ativação de múltiplos sítios de poliadenilação dentro dos íntrons 9 e 10 do gene HTT. Esse fenômeno, chamado poliadenilação intrônica prematura (PA, na sigla em inglês), faz com que o mRNA seja cortado e finalizado precocemente, reduzindo a produção da proteína completa.
Embora sejam necessários mais estudos para entender completamente as implicações desses achados e desenvolver terapias seguras e eficazes baseadas na inibição da PRMT5, esta pesquisa representa um avanço significativo no campo da doença de Huntington, oferecendo uma nova perspectiva sobre a regulação da huntingtina e potenciais alvos terapêuticos.
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“Nosso centro de pesquisa está sempre buscando estratégias e moléculas capazes de modular a atividade de proteínas. A capacidade de reduzir os níveis da huntingtina por meio da inibição da PRMT5 abre novos caminhos para o desenvolvimento de terapias”, afirma Katlin Massirer, coordenadora do CQMED e coautora do trabalho.
O CQMED é uma unidade Embrapii de pesquisa da Unicamp e também conta com apoio da FAPESP por meio do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT).
*Daniel Rangel é bolsista de Jornalismo Científico da FAPESP vinculado ao INCT Centro de Química Medicinal de o Aberto.