A batalha dos comunistas que tanto assustam os bolsonaristas: sobreviver e2ms
Mais fortes no imaginário do presidente e de seus seguidores do que na realidade, eles hoje são apenas um fator no discurso eleitoral 422e37

Jair Bolsonaro não perde a oportunidade de advertir sobre uma suposta ameaça que ronda o Brasil: o comunismo. Na Assembleia-Geral das Nações Unidas, essa preocupação foi levada ao conhecimento do mundo inteiro: “Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias”. Na entrevista exclusiva publicada na última edição de VEJA, o presidente voltou ao tema ao comentar as dificuldades que o cargo reserva ao ocupante: “A única satisfação que eu tenho, uma das poucas, é saber que não tem um comunista sentado naquela cadeira, só essa”. Na Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho Zero Três, se apresenta como a voz mais eloquente contra o espectro que estaria infiltrado em vários setores da sociedade. O parlamentar, inclusive, é autor de um projeto que prevê pena de até cinco anos de prisão para quem divulgar símbolos que remetam ao comunismo. Tudo isso, evidentemente, não a de uma parlapatice.
Existem dois partidos comunistas no país que, somados, reúnem pouco mais de 400 000 filiados, o equivalente a 0,2% da população. Esse “exército” vermelho se divide basicamente entre PCdoB e PCB e, de fato, trava uma batalha há muitos anos, só que pela sobrevivência. No Congresso Nacional, o PCdoB tem apenas oito deputados federais. No Brasil inteiro, a tropa ganha um reforço de dezoito deputados estaduais e 685 vereadores. O PCB é ainda menor. Não tem nenhum deputado, senador, vereador ou prefeito. “O bolsonarismo usa a narrativa de que tem o comunismo como inimigo, mas isso evidentemente é uma fantasmagoria. O comunismo já foi derrotado pela história”, diz o ex-comunista Roberto Freire, último candidato do PCB a disputar a Presidência, em 1989, e atual comandante do Cidadania. “Ninguém mais, em sã consciência, imagina estatizar a economia, criar um sistema político de partido único ou querer transformar o Brasil em Cuba ou na antiga Albânia”, acrescenta.

No Brasil, a compreensão do que é ser um “comunista” ganhou um significado diferente, inclusive entre os próprios. Um dos generais da tropa, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), dá a sua definição: “Ser comunista é lutar para que haja justiça, igualdade de oportunidades, pensar em políticas públicas, priorizar os direitos essenciais, reconhecer os erros do ado e dar peso e centralidade à democracia”, diz. Nada de economia estatal, Karl Marx ou ditadura. Os tempos são outros — e fazem lembrar as dificuldades dos prisioneiros da União Soviética na Sibéria.
Neste momento, a luta do PCdoB é continuar vivo. Dispositivos eleitorais que entraram em vigor nos últimos anos podem, em breve, provocar a extinção de partidos inexpressivos. Na terça-feira 28, o Congresso chegou a abrir a possibilidade de uma sobrevida aos comunistas ao recriar as federações partidárias — um mecanismo que permite aos nanicos se aliar a outros com identidade ideológica semelhante, atuar em conjunto por quatro anos, ter o a um naco maior do fundo partidário e ao tempo de televisão. O presidente Bolsonaro havia vetado as federações, mas a restrição foi derrubada pelos congressistas.

Mais fortes no imaginário do presidente e de seus seguidores do que na realidade, os “comunistas” hoje são apenas mais um fator no discurso eleitoral bolsonarista. Na quarta-feira 29, o presidente disse a uma plateia de apoiadores que Lula quer implantar no país o modelo econômico chinês. O petista, na visão de Bolsonaro, seria parte da conspiração comunista para tomar o poder. A China, aliás, ocupa uma parte importante dessa tresloucada teoria conspiratória. Não por acaso, a família Bolsonaro atacou sem nenhuma diplomacia, e por diversas vezes, o maior parceiro comercial do Brasil (e fornecedor de matérias-primas para as vacinas).
No Brasil real, os comunistas, é óbvio, não representam ameaça a coisa alguma. Para conseguirem se manter no cenário político, de acordo com as regras que aram a valer, o PCdoB e o PCB terão de convencer um partido maior e com capacidade de arregimentar votos a montar uma federação e compartilhar as vagas eventualmente conquistadas no Parlamento. É uma missão bem complicada. “É difícil imaginar que grandes partidos aceitarão compor com os pequenos e ceder espaço a eles. Será um gesto de pura generosidade, e não haverá muitos”, disse a VEJA o presidente do PSD, Gilberto Kassab. O exército vermelho não tem soldados, tanques, artilharia e a fome. Alguém precisa contar a novidade ao Palácio do Planalto.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758