Livro ‘O Príncipe do Boxe’ traz à tona história do tio lutador que inspirou Éder Jofre 426h3r
Em uma narrativa potente e concisa, obra relembra uma peça essencial da história do pugilismo no Brasil 3pv36


Em 2014, dez anos após a morte de seu avô, Waldemar Zumbano, o Neno, o escritor e redator-chefe de VEJA Fábio Altman visitou a casa onde vivia um dos boxeadores mais famosos do mundo, Éder Jofre — que, aliás, era sobrinho de Zumbano. Na ocasião, o lendário pugilista sofria, havia pelo menos uma década, de lapsos de memória, que os médicos desconfiavam erroneamente se tratar de um quadro de Alzheimer — na realidade, ele tinha uma encefalopatia traumática crônica, causada pelas pancadas recebidas na cabeça. Na visita, Altman apresentou fotos das vitórias de Jofre, das quais o ex-atleta pouco se lembrava. Foi somente após trocar a pose de jornalista pela de parente e mostrar fotografias de seu avô Neno e sua mãe, Raquel Zumbano, prima de Jofre, que a feição do ex-lutador suavizou. Mais do que as vitórias, a imagem dos entes queridos foi capaz de abrir o baú de memórias guardadas num recôndito de seu cérebro.

Altman narra a trajetória da família dos Zumbano-Jofre, que introduziu o esporte no país, no livro O Príncipe do Boxe. Com apenas 88 páginas, o título é como uma luta de boxe que se encerra rapidamente por nocaute no primeiro assalto: a narrativa é eficaz, emocionante e concisa — seguindo a proposta da editora recém-inaugurada Seja Breve, que promete publicar boas histórias em livros curtos, de até 150 páginas. Resumir a biografia de Waldemar Zumbano, aliás, é um feito e tanto — sua história, que mescla ativismo político e paixão pelo pugilismo, além de viagens pelo mundo, renderia um calhamaço e tanto.

Nascido em Mococa, no interior de São Paulo, onde viveu até os 18 anos, Zumbano mudou-se para São Paulo para trabalhar. Na capital, alistou-se para lutar ao lado dos paulistas nas trincheiras do Vale do Paraíba, durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Ao fim da batalha, militou na Aliança Nacional Libertadora, a ANL, costela do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Perseguido pelo Estado Novo, do governo de Getúlio Vargas, refugiou-se em diferentes cidades do interior de São Paulo, onde se lançava em desafios contra boxeadores locais, montando ringues improvisados com lonas e cordas. Usava o codinome Frank Éder, nome de um boxeador austríaco que lera em um jornal. Quando Éder Jofre nasceu, em 1936, seus pais lhe deram o nome que o tio usara para não ser preso.

Sua militância o levou a encontros valiosos. Transitando entre a elite intelectual do país, ganhou do poeta Paulo Bomfim o apelido de Príncipe do Boxe. Jorge Amado, que foi militante do PCB, também o tinha em alta conta. “Meu avô foi um pugilista comunista, ou comunista pugilista, dependendo da situação”, brinca Altman. Preso várias vezes, treinou companheiros de cela célebres, como o ensaísta Paulo Emílio Salles Gomes. Em 1964, meses após ser solto de sua última detenção, quando foi enquadrado no AI-1, logo depois do golpe militar, ele foi designado para chefiar a delegação olímpica de boxe em Tóquio, mas quase não conseguiu embarcar ao Japão. No aeroporto, um oficialzinho de plantão deu voz de prisão a Zumbano após levantar sua ficha. Imprescindível para a equipe, ele só foi liberado depois de o presidente do Comitê Olímpico do Brasil, Sylvio de Magalhães Padilha, dizer que, se Neno não fosse, nenhum atleta brasileiro viajaria para os Jogos. “Ou o professor Zumbano viaja, ou o Brasil não irá para a Olimpíada por sua culpa”, teria dito Padilha. Deu certo. Os dois viraram grandes amigos. Foi a influência dele na formação do Galo de Ouro, apelido de Éder Jofre, no entanto, uma de suas maiores contribuições para o esporte. Se Jofre é considerado um dos mais importantes atletas do Brasil, ao lado de Pelé e Ayrton Senna, e o único brasileiro no hall da fama do boxe mundial, muito se deve a seu tio Neno, que jamais atirou a toalha — e deixou um legado digno de campeões.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947