Por que os preços do petróleo se tornaram uma armadilha para o Brasil
Decisões equivocadas do ado deixam o país de joelhos diante da guerra pelo preço da commodity — apesar do possível refresco sobre os combustíveis

O livro Uma Guerra Americana, do romancista egípcio-canadense Omar El Akkad, traça um mundo distópico onde uma guerra por combustíveis explode nos Estados Unidos em 2074. Enquanto muitos líderes mundiais deixaram de explorar o combustível fóssil, diante das mudanças climáticas causadas pelo “ouro negro”, alguns estados americanos iniciam uma batalha pelo então escasso petróleo. Ainda que a realidade retratada no romance esteja um pouco distante, aparentemente, uma guerra fria protagonizada por Arábia Saudita e Rússia mudou bastante o cenário do combustível fóssil nos últimos dias — principalmente para o Brasil. O fato é que, ao escolher a exploração do petróleo como um garantidor de receitas fiscais, governos ados deixaram o país refém dos preços altos da commodity.
Em meio ao clima volátil naturalmente ocasionado pela disseminação crescente do novo coronavírus no mundo, o petróleo, assim como a maioria das Bolsas e das moedas de países emergentes, viu seu valor ser dissolvido aos poucos. Se em 15 de janeiro, o preço do barril estava estipulado em 64 dólares, ele chegou, em 5 de março, a 49,99 dólares. Apesar do declínio de 21,9% para o período, nada indicava um temor maior para a commodity. Mas, tudo mudou na segunda-feira 9, quando o barril despencou em queda livre, registrando 34,36 dólares no fechamento do pregão. Entre 15 de janeiro e o fim do pregão de segunda, a derrocada foi de 46,3%.
Para estabilizar a volatilidade no preço da commodity, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), pressionou as principais nações para cortes de produção de 1,5 milhão de barris por dia até o final de 2020. A Rússia, no entanto, não aceitou, o que levou o mercado ao colapso. “Os preços despencaram porque a reunião da Opep acabou sendo um fracasso épico por parte de todos os envolvidos”, disse à Reuters John Kilduff, sócio da Again Capital. “A Rússia claramente decidiu empregar uma abordagem de terra arrasada para o mercado de petróleo: cada país por si”.
A Arábia Saudita, então, decidiu jogar gasolina nessa história. O país do Oriente Médio, maior exportador de petróleo no mundo, optou por cortar o valor de venda do barril, o que iniciou uma verdadeira guerra entre os principais produtores. Os sauditas planejam aumentar a produção para mais de 10 milhões de barris por dia (bpd) em abril, após o atual acordo para restringir a produção entre a Opep e a Rússia expirar, no fim de março. Em fevereiro, a Arábia Saudita produziu cerca de 9,7 milhões de barris por dia. Além disso, o país asiático já reduziu o preço oficial de venda do barril para abril entre 6 dólares e 8 dólares o barril. A Rússia, por sua vez, disse estar pronta para ar a guerra de preços do petróleo por até uma década — o país europeu dispõe de um fundo soberano com 170 bilhões de dólares acumulados graças aos ganhos de petróleo dos últimos anos, o que lhe dá fôlego para superar o período de crise global.
Com isso, não só o preço-alvo do petróleo, como as ações da Petrobras sangraram no pregão da segunda-feira 9. A petroleira brasileira viu 91 bilhões de reais serem incinerados de seu valor de mercado, segundo dados da Economatica. A estatal a por um momento de desinvestimentos, com foco em ativos estratégicos, e produziu 2,32 milhões de barris por dia em janeiro, segundo dados do Dinâmico da Agência Nacional de Petróleo (ANP). “O primeiro semestre do ano está perdido. Neste momento, a situação é muito complicada, muito parecida com o que vimos em 2009, na crise do subprime“, diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Especialistas ouvidos por VEJA acreditam que o novo patamar do petróleo irá dificultar as negociações do governo para a venda dos ativos, além de inviabilizar a exploração do pré-sal por parte da Petrobras. “Está praticamente inviável o pré-sal. Se o preço continuar caindo, e o consumo de petróleo subir, a situação pode ficar preocupante para a Petrobras”, diz Pablo Spyer, diretor da corretora Mirae Asset.
Estima-se que o ime no preço do barril de petróleo no mundo ainda deixe de gerar algo em torno de 8 bilhões de reais em arrecadação para o estado do Rio de Janeiro. Em 2019, com o petróleo a 60 dólares, o Rio amealhou 14 bilhões de reais em royalties. A alta do dólar frente ao real, no entanto, reduz as perdas, mas não as eliminam. “O estado do Rio espera que essa crise e logo, que seja rápida. Lá atrás, na época do Sergio Cabral (ex-governador preso pela Lava Jato), o governo desperdiçou o dinheiro dos royalties e as prefeituras também. Desta vez, o estado fez o ajuste para o plano de recuperação, com o petróleo ainda num patamar de 50 dólares. Ou seja, o impacto não é grande ainda”, afirma o economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec.
Ainda não há motivos para pânico. Seria possível olhar a queda do petróleo por um viés positivo, caso a economia global demonstrasse sintomas de aceleração. No Brasil, aspectos positivos da retração do combustível fóssil nos últimos tempos podem ser a queda no valor da querosene, que daria uma sobrevida às companhias aéreas, e no preço da gasolina, o que pode favorecer consumidores e ajustar o custo do frete — debelando de vez uma pressão por parte dos caminhoneiros. “Para o consumidor e para as economias, esse patamar do petróleo não é ruim. Mas o ideal era o valor cair com a economia pujante, não com uma economia fraca. Desta forma, eu veria muito benefícios”, diz David Zylbersztajn, professor da PUC-RJ e ex-diretor da agência reguladora ANP.
Entre os economistas, há um receio de que o barril do petróleo não volte a registrar um patamar acima dos 60 dólares novamente — mesmo após a recuperação desta terça-feira 10, quando as cotações se valorizaram 10%, para cerca de 38 dólares. Hoje, com a moeda americana nas alturas, os impactos ainda não são tão grandes para o Brasil. A tendência, no entanto, é que se tornem. O país, em governos anteriores, apostou boa parte de seu Produto Interno Bruto (PIB) na commodity, e diversificou pouco a sua arrecadação. Caso o dólar recue e o petróleo não avance, o país pode pagar caro por querer ser um grande produtor global, impactando até mesmo a geração do etanol. Nesta quarta-feira 11, a Rússia se reunirá novamente com a Opep. Resta saber se o encontro terá um resultado incendiário ou pacificador.