A Selic vai aumentar ainda mais? Por que o BC deixou a questão em aberto
Trata-se de um dos ciclos de elevação mais intensos já promovidos pelo Copom — em novembro ado, o índice estava em 11,25%

Em dezembro do ano ado, ainda sob o comando de Roberto Campos Neto, os diretores do Banco Central alertaram que a taxa básica de juros precisaria subir de forma significativa para enfrentar a inflação elevada, a crise de confiança nas contas públicas e a disparada do dólar. Cinco meses depois, o cenário segue desafiador: os preços continuam avançando e não há sinais de que o governo reduzirá gastos para conter o déficit fiscal. Com o Brasil ainda gastando mais do que arrecada, restou ao Comitê de Política Monetária (Copom), atualmente presidido por Gabriel Galípolo e composto por outros oito integrantes, aumentar novamente a dose do remédio. Na quarta-feira 7, a Selic, a taxa básica de juros da economia, subiu mais 0,5 ponto percentual, atingindo 14,75% ao ano, o maior nível em quase duas décadas. Trata-se de um dos ciclos de elevação mais intensos já promovidos pelo Copom — em novembro ado, o índice estava em 11,25%. “O mercado de trabalho permanece superaquecido, especialmente no setor de serviços, e os preços dos alimentos continuam pressionando a inflação”, diz João Scandiuzzi, estrategista-chefe do banco BTG Pactual. “A expectativa já era de alta, e é provável que os juros continuem subindo até o fim do ano.”
No cenário doméstico é realmente difícil achar algum indicador que tenha melhorado nos últimos meses. A dívida pública continua subindo e o governo nem tenta se mostrar comprometido a dar soluções estruturais a ela. Em março, o IPCA, índice oficial de preços, acelerou para 5,5% no acumulado em doze meses, confirmando uma rota na direção oposta de onde deveria estar — o centro da meta é 3% —, sem nenhuma mudança nos fatores que empurram o dado para cima. A nota oficial que acompanhou a decisão do Copom menciona a necessidade de manter a atenção aos fatores que puxam a inflação para cima e inclui uma nova preocupação na fórmula: a mudança no cenário externo.
A guerra tarifária iniciada em abril pelo presidente americano, Donald Trump, gerou incertezas que bagunçaram o comércio e a economia globais. Dias depois de seu tarifaço, diante de uma queda brutal das bolsas de valores e até dos tradicionalmente seguros títulos da dívida pública americana, Trump abriu exceções para alguns setores, mas dobrou a aposta no protecionismo contra a China. As decisões erráticas assustaram os investidores. Ameaças de interferir no Fed (o equivalente americano ao Banco Central), somadas a falas sobre anexação do Canadá e da Groenlândia, o descumprimento de uma decisão da Suprema Corte e até a prisão de uma juíza trouxeram uma insegurança tão grande que o dólar despencou frente à maioria das moedas — incluindo o real.
O cenário pouco usual da economia americana coloca o Fed em situação difícil. Jerome Powell, chefe do banco central americano, tem diante de si uma inflação alta com sinais de desaceleração econômica. Se aumentar os juros, piora a taxa de desemprego. Se baixar, aumenta os preços. No mesmo dia do anúncio da Selic, o Fed optou por esperar e manteve sua taxa entre 4,25% e 4,5%. “É um componente de risco novo, comum em países como o Brasil, mas com o qual os Estados Unidos não estão acostumados”, afirma Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank. “Normalmente, quando os investidores ficam com medo, eles correm para o dólar, e não é o que está acontecendo desta vez.”

Powell manteve a linha técnica do Fed mesmo debaixo do crescente fogo cruzado de Trump. “‘Atrasado demais’ Jerome Powell é um TOLO, que não tem a menor ideia. Fora isso, eu gosto muito dele!”, escreveu Trump em sua plataforma de mídia social na quinta-feira 8. Devido ao atual ciclo de alta da Selic iniciado sob a gestão de Roberto Campos Neto, o Banco Central ou a sofrer constante pressão de Lula e do PT. Com a chegada de Galípolo, nomeado pelo presidente, havia a esperança dentro do Palácio do Planalto de que a direção do BC adotaria uma linha distinta. Prevalece ainda no PT a visão equivocada de que é preciso gerar crescimento de qualquer forma, mesmos à custa do aumento da inflação. Quem achou que Galípolo não atuaria de forma independente certamente está se decepcionando — ganha assim o Brasil. Não faltam argumentos fortes para manter o remédio amargo: com inflação alta e empregos e salários com força, elevam-se os juros para desacelerar a economia.

A briga contra a inflação é dura e demanda grande esforço do BC. De acordo com a expectativa da autoridade monetária, o IPCA chegará a 4,8% em 2025 (ainda acima do teto da meta) e a 3,6% no fim de 2026. Há alguns meses, a alta do dólar pressionou bastante o índice. Agora, com a moeda americana em baixa, espera-se o efeito contrário. Dólar mais fraco significa baixa nos preços de importados, em geral, e de alimentos no mercado interno. A safra brasileira de grãos em 2025, que deve alcançar patamar recorde, é outro fator que pode trazer alívio aos aumentos de preços no país. “Apesar de o Brasil ainda estar com todos os indicadores para empurrar a inflação para cima, o cenário externo está desinflacionário, o que nos ajuda a controlar os preços”, diz Luciana Rabelo, economista do Itaú Unibanco. Os seguidos cortes de juros pelo Banco Central Europeu, comandado por Christine Lagarde, ajudam a sustentar a mesma percepção.
Por uma série de fatores, essa visão mais otimista a respeito do futuro da inflação no Brasil não é preponderante entre os economistas e analistas de mercado. A queda do dólar, por exemplo, é um fator relativizado por vários especialistas. A moeda americana está enfraquecendo devido a um risco político maior nos Estados Unidos, uma perspectiva de crescimento global menor e comércio internacional e fluxos de capital mais fracos. Trata-se, portanto, de uma trégua com data de expiração.
Os problemas domésticos continuam precisando de solução. No Brasil, onde já era esperada uma desaceleração para este ano, economia e comércio mais fracos no mundo também não ajudam em nada. Entre os mais pessimistas, há até economistas que acreditam que o país pode ter algum trimestre com crescimento zero ou ligeiramente negativo na segunda metade deste ano. “Um dólar mais enfraquecido certamente ajuda”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “Mas ainda temos uma taxa de câmbio muito elevada e com um problema fiscal que está longe de estar resolvido. Continua sendo um cenário nublado.” Nada mais natural, portanto, que a palavra-chave do comunicado da recente reunião do Copom tenha sido “cautela”.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943