Christina Oiticica a VEJA: “Minha arte é uma oferenda” 3u5d1z
A artista carioca de 73 anos explica o curioso método de criação das obras que vai exibir na fundação que mantém na Suíça com o marido, Paulo Coelho 1o2gr

A exposição Dichotomie vai ocupar, a partir de 27 de maio, uma área destinada às artes na Fundação Paulo Coelho e Christina Oiticica, em Genebra. O que essa mostra significa em sua trajetória? Primeiro, ela tem esse nome porque foi feita entre a Europa e o Brasil. Mesmo longe, eu tenho uma forte conexão com o meu país. Eu fiz as telas em Genebra e as enviei para o artista indígena Txatxu Pataxó, na Bahia. Ele fez as interferências dele e, depois, as enterrou por um ano ao pé de uma gameleira. Essa árvore tem raízes protuberantes, o que provocou relevos lindos nas obras.
Como aderiu à técnica de enterrar suas telas? Comecei em 2003, quando vivia nos Pireneus (ao norte da Espanha) com o Paulo (Coelho) num quarto de hotel. Por causa do cheiro de tinta, ei a pintar do lado de fora e, vira e mexe, surgia um inseto na tela, uma folha. Decidi trabalhar em parceria com a natureza. Com o tempo, comecei a enterrar as obras para ver no que dava.
Já perdeu alguma? Perdi pouquíssimas. Mas não fico chateada quando isso acontece. Minha arte é uma oferenda para a natureza. Como uma gestação da Mãe Terra, os minerais, as estações do ano, os animais e os fungos vão interferir. Uso materiais naturais, como telas de juta e tintas ecológicas.
Como faz para que as telas não se danifiquem? Já aconteceu de a obra se rasgar ou se dissolver. Mas, assim que ela está pronta, uso um fixador.
A fundação em Genebra é um entre muitos projetos sociais e culturais que a senhora tem em parceria com Paulo Coelho. Qual o segredo para um casamento duradouro e frutífero de 45 anos? Difícil dizer. Não tem fórmula. Acho que o mais importante é querer estar junto e ter iração pelo parceiro. Às vezes amamos alguém, mas não queremos viver com essa pessoa. Problemas todo mundo tem. Mas o Paulo e eu somos muito ligados. Nossa ligação é profundamente espiritual.
Em que sentido? Temos propósitos de vida muito parecidos e eu sou uma pessoa espiritual e religiosa. Sou católica, mas me dou bem com várias religiões. Paulo era amigo da minha família quando nos conhecemos. Um dia, fomos para a capela de Nhá Chica, uma beata brasileira, em Minas Gerais. Quando o vi ajoelhado e rezando, fiquei emocionada e pedi para Nhá Chica “um marido igual ao Paulo”. Que fique claro: pedi igual ao Paulo, não o Paulo. Mas, um ano depois, ela me deu ele.
A parceria já se estendeu à vida profissional, a ponto de um palpitar na obra do outro? No começo, sim. Ele me ajudou a enterrar telas em vários países — no Caminho de Santiago de Compostela foram 100 quadros enterrados. Hoje, mesmo trabalhando individualmente, acontecem coincidências. Enquanto eu tocava esse projeto, ele desenvolvia uma ópera de inspiração indígena sobre I-Juca-Pirama (poema de Gonçalves Dias), para a COP30.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943