O sonho não acabou: vestuário dos Beatles volta à cena em lançamentos de grifes prestigiadas 113i4f
O movimento de comportamento parece não cessar, em eterno e elegante retorno 6d5b3r

As pedras rolaram quando John Lennon, em 1966, irônico como ninguém, pôs à mesa uma provocação, em entrevista para um tabloide britânico: “Os Beatles são mais populares que Jesus Cristo. Não sei quem vai acabar primeiro, o rock’n’roll ou o cristianismo. Jesus era legal, mas seus discípulos eram grossos e medíocres”. Houve protestos nos Estados Unidos, Lennon foi chamado de satanás, e ainda hoje aquelas palavras pegam mal, soam incômodas agora mesmo, em tempo de transição de papa. Não é o caso de reconstruir a história, muito menos de estabelecer comparações indevidas, mas o quarteto de Liverpool era sim celebradíssimo, reconhecido por qualquer cidadão na face da Terra, em movimento que nunca parou. Chegamos como chegamos hoje ao universo pop, da música, da cultura, porque uma banda chacoalhou o ado para reinventar o futuro. Olhe para o lado e haverá influência do jeito de ser daqueles jovens. Na moda, em especial, como manifesto de comportamento, os Beatles não param de ditar regras.

Nas ruas e arelas, nos últimos meses, despontaram modelos sem medo de revelar a origem beatlemaníaca. Ao contrário. São as calças bocas de sino, largas ao pousar nos calçados e sandálias. São os cortes de veludo, os ternos alinhados e os blazers desconstruídos, as batas coloridas e até os tais óculos de aros redondos de Lennon. Bebe-se de todas as fases dos Beatles, que ficaram juntos por apenas dez anos, considerando-se desde o período de formação do grupo, mas fizeram um estrago danado (e positivo) nos humores da civilização. Há quem tenha adotado o corte de cabelo moptop, com franjas longas e laterais cheias, do início da banda. O terninho justo, engomadinho, de modelagem moderna, idealizado pelo empresário Brian Epstein ao lembrar dos desenhos de Pierre Cardin, também dá as caras. Outros apostam no psicodelismo atrelado ao álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967, de jaquetas militares estilizadas e órios extravagantes. O jeitão hippie do tempo da visita à Índia, organizada por George Harrison, também abriu espaço. E, claro, dá-lhe inspiração em uma das imagens mais conhecidas de nosso tempo, o da travessia da faixa de pedestres, capa de Abbey Road, de 1969.

Em desfiles recentes nas mecas de Nova York, Paris e Milão, a Chloé, da estilista Chemena Kamali, abusou da pegada hippie dos Beatles. O cantor e compositor de rap Pharrell Williams, estilista de coleções da Louis Vuitton, desfilou com elementos que remetem àqueles os na rua londrina. As modelos Elle Maherson e Bella Hadid parecem ter entrado em um ônibus misterioso que as trouxe lá de trás. Stella McCartney, a filha de Paul, respeitadíssima entre os fashionistas, não cansa de homenagear o pai, que certa vez asseverou, com um tantinho de justificada arrogância: “Não seguíamos as tendências, nós ditávamos as tendências”.

É assim, e durante muito tempo permanecerá sendo, em sístoles e diástoles que ajudam a construir a linha do tempo do estilo. A grife japonesa Comme des Garçons tem Beatles no catálogo. Outro dia a Crocs lançou dois pares de vistosos chinelos na pegada de Yellow Submarine (499 reais o par). “A moda traduz os humores de determinados períodos históricos, e os Beatles representaram aquela agem dos anos 1960 para os 1970, de paz e amor”, diz Mário Queiroz, designer de moda masculina e ph.D. em semiótica. “Mais do que isso, tornaram-se perenes, símbolos do novo e da ousadia sem exagero.” Não tem segredo, simples como boa parte das letras e melodias dos Fab Four: na dúvida, sem saber como estar bem na foto, basta ir ao armário dos Beatles, escolher um instante qualquer e desfilar na certeza de que o sonho não acabou.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943