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O berço da regressão: o que está por trás do fenômeno dos ‘bebês reborn’ 1y2a2p

Caso escancara os desafios da sociedade nos relacionamentos e a força da internet para guiar os debates pueris 1v1gx

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 Maio 2025, 16h18 - Publicado em 23 Maio 2025, 06h00

As fotos e os vídeos pulularam nas redes sociais. Mulheres cuidando de seus filhos no dia a dia, cenas de partos, encontros de mães com seus rebentos no colo e até o caso de uma cidadã buscando tratamento para sua pequena em um hospital público. Nada disso seria digno de nota se os bebês nas imagens fossem de carne e osso. A espantosa verdade: eram bonecos que imitam seres humanos com perfeição. Eles ganharam o mundo com o apelido de reborn (“renascidos”, em inglês) e se tornaram uma febre que extravasou a brincadeira infantil. Não à toa, aram a movimentar acalorados debates a respeito de um fenômeno que desafia o senso de realidade e as fronteiras da sanidade mental e, entre defensores e detratores, virou inclusive munição para discussões de fundo ideológico.

Como acontece com todos os temas que bombam na internet, a resposta da opinião pública foi visceral. Houve quem ficasse do lado das “mães de reborn”, mas a maior parte dos comentários tinha tom de piada ou de ataque ao que se considerou um absurdo — e é mesmo um absurdo, convenhamos. No mundo real, três projetos de lei — risíveis, dado o ridículo com que lidam —, foram protocolados na Câmara dos Deputados envolvendo o assunto: o primeiro visa impor multas a quem buscar atendimento no SUS para os bonecos; o segundo propõe acolhimento psicossocial a quem desenvolveu vínculos intensos com os brinquedos; e o terceiro pretende punir quem usar os bebês de mentira para obter vantagens destinadas a pessoas com crianças de colo.

ACREDITE SE QUISER - Encontro de mães no interior paulista: vídeos controversos mostram mulheres compartilhando a rotina com seus rebentos
ACREDITE SE QUISER - Encontro de mães no interior paulista: vídeos controversos mostram mulheres compartilhando a rotina com seus rebentos (Douglas Magno/AFP)

A bizarrice do apego aos bonecos revela, em onda que logo, logo terá fim, um aspecto preocupante da sociedade: a crescente dificuldade de criar e manter relacionamentos reais. Uma característica que está na própria base da mente humana e é posta em xeque com um estilo de vida cada vez mais digital. “O mais assustador é o efeito em rede, que expõe milhões de pessoas a essas práticas e pode naturalizar esse tipo de comportamento”, diz a psicóloga Ilana Pinsky, autora do livro Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis. Um comportamento que, por meio de outras tecnologias e artefatos, reflete uma espécie de fuga das relações humanas e hoje também é materializado nos contatos e amizades entre pessoas e inteligências artificiais. O que antes era roteiro de cinema — basta lembrar de filmes como Ela, em que o protagonista vivido por Joaquin Phoenix se apaixona pela sua invisível assistente virtual, ou A Garota Ideal, em que Ryan Gosling a a namorar uma menina de plástico — extravasou para a vida real.

Outra camada de preocupação da febre reborn tem a ver com a própria dinâmica das mídias sociais. Na era do engajamento pelo ódio, é mais fácil (e divertido) se envolver em contendas sobre temas marginais do que com os autênticos dilemas da sociedade. Nesse sentido, as brigas ideológicas deixam de lado a conversa séria sobre guerras, desigualdades e mudanças climáticas e se amparam em bonecos de silicone.

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SÓ FICÇÃO? - Cena do filme A Garota Ideal: namoro com boneca de plástico
SÓ FICÇÃO? - Cena do filme A Garota Ideal: namoro com boneca de plástico (Archives du 7eme Art/Photo12/AFP)

O fato é que a indústria dos bebês reborn tenta viver um renascimento nesse “novo normal”. Eles surgiram há quase trinta anos nos Estados Unidos — uma evolução natural dos brinquedos com as novas técnicas e materiais disponíveis. A popularização do silicone permitiu aos artesãos criar bonecos mais realistas, que ganharam espaço entre os colecionadores, principalmente os mais abastados, já que as melhores réplicas podem custar de 750 a 15 000 reais. Além de brinquedos, também aram a ser usados em algumas terapias, principalmente entre idosos e mulheres que sofreram trauma ou vivem um luto. Há benefícios comprovados nesse contexto específico, como a redução da ansiedade e da agitação em pacientes com demência. Mas é um uso controlado, sob supervisão profissional.

Apesar da polêmica e da empolgação com o tema, o ponto é que o mercado de reborns continua sendo uma mera fatia do setor de bonecas como um todo e as vendas não decolaram após milhares de postagens — apenas uma em cada 120 bonecas vendidas globalmente é da estirpe ultrarrealista. Outra prova de que a internet é palco de sucesso de minorias ruidosas e é a mobilização dos legisladores. A decisão de criar uma lei para vetar o uso do SUS pelas mães reborn se baseia em um ou outro vídeo viralizado. Não há um único caso formalmente registrado pelo governo. Em meio ao delírio das multidões, parece ser muito barulho por nada. Vai ar.

Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945

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