Exposição em Milão celebra os vinte anos da alta-costura de Giorgio Armani i5il
Estilista soube casar o humor das ruas com o luxo, em permanente discrição 6k3w5n

Giorgio Armani demorou trinta anos para entrar no exclusivo mundo da alta-costura. Em 2005, finalmente, o estilista italiano fundaria a Armani Privé, quando já havia estabelecido sua no prêt-à-porter, como é chamada a produção de roupas em massa, do dia a dia, em tamanhos padronizados. Na época, acreditava-se que o celebrado designer seguiria um caminho mais comercial. Não foi o que aconteceu. Ele justificaria a entrada na confecção de roupas sob medida dizendo ser o lugar onde poderia expressar sua visão de estilo e elegância por meio do trabalho artesanal, sem limites impostos pela demanda. Deu boa liga. Desde o início, a linha se destacou como nova interpretação do conhecido estilo Armani, na busca por uma marca elegante e (aparentemente) simples.
Armani, que completa 91 anos em julho, descreve as duas décadas da Armani Privé como uma “viagem incrível e libertadora”, que ele agora deseja compartilhar com um público mais amplo. Pela primeira vez, o espaço Armani/Silos, em Milão, recebe a exposição Giorgio Armani Privé 2005-2025, Vent’Anni di Alta Moda, com mais de 150 looks de luxo. A curadoria, assinada pelo próprio costureiro, chamemos assim, organiza as peças por temas, cores e inspirações, incluindo vestidos celebrados, como o modelo sereia de lantejoulas usado por Anne Hathaway na cerimônia do Oscar de 2009 e o de seda champanhe que Demi Moore escolheu para seu primeiro Globo de Ouro.

A mostra desvela a essência de uma lenda do vestuário, caracterizada pela busca de linhas geométricas, de requinte discreto. A coleção revela silhuetas sensuais, matérias-primas nobres e técnicas artesanais excepcionais, além de bordados que evocam a delicadeza da joalheria, executados por artífices experientes. “A diferença entre estilo e moda é a qualidade”, já resumiu Armani, afeito a boas frases. Mais bem-sucedido designer “independente” do mundo da moda, por não estar atrelado a uma grande companhia, com uma fortuna pessoal estimada em mais de 1 bilhão de dólares, ele teve trajetória incomum. Nascido em Piacenza, na Itália, iniciou carreira como vitrinista e comprador em uma loja de departamentos em Milão, depois de abandonar a faculdade de medicina. Foi nesse ambiente que desenvolveu o olhar apurado para o design, fundamento do que viria a ser sua estética. Em 1975, ao lado de Sergio Galeotti, parceiro de vida e negócios, fundou o braço de roupas masculinas. Revolucionou o guarda-roupa dos homens, substituindo a rigidez tradicional por um estilo fluido e sofisticado, que não demoraria a ear na pele de estrelas.
O impacto internacional veio em 1980, com o filme Gigolô Americano, dirigido por Paul Schrader. Os trajes sob medida criados por Armani para Richard Gere consolidaram a imagem do “homem Armani” — elegante, confiante e moderno. Essa parceria com Hollywood perdura até hoje, com a estica de atores como George Clooney e Leonardo DiCaprio vestindo seus cortes impecáveis. “Armani soube aproveitar a era yuppie ao capturar o espírito dos jovens profissionais urbanos em busca de um estilo associado ao sucesso”, afirma Silvia Scigliano, pesquisadora do Istituto Europeo di Design. “Tornou-se, assim, o maior nome da moda masculina made in Italy.” Não é pouca coisa, e poucos conseguem sair da planície, como símbolo.

Com o tempo, o negócio cresceu. Além da família de vestuário Privé, há também um departamento de luxo (batizado, por óbvio, de Giorgio Armani, simples assim), para jovens (Armani Exchange), prêt-à-porter (Emporio Armani) e a Armani Jeans, além de perfumes, relógios, joias, hotéis, resorts, cafés e um teatro, em Milão, projetado pelo arquiteto japonês Tadao Ando. Recentemente, deu-se a inauguração do Palazzo Armani, em Paris, um espaço histórico que abriga seu ateliê de alta-costura e escritórios.
Adorado por homens e mulheres, ele traduz o jeito de ser de um tempo, de elegância que não quer gritar. O segredo, por assim dizer: alfaiataria moderna com cortes que valorizam o corpo sem exageros. “Armani se manteve no controle do próprio negócio, criando não apenas um estilo, mas um universo”, afirma a pesquisadora Scigliano. Diz a lenda, quase uma certeza, que ele teria desenvolvido o olhar acurado ao observar o vaivém de consumidores nas lojas de departamentos, a ágora de nosso tempo, antes da explosão das compras on-line. A ideia: costurar para pessoas comuns com vontade de estarem bem-vestidas e confortáveis, desde que tenham algum dinheiro, é claro. “Desenho para pessoas reais”, declarou ele, certa vez. “Não existe mérito em criar roupas e órios que não são práticos.” Eis um bom projeto de vida, que Giorgio Armani soube alimentar. Suas roupas — é o que vemos por aí, nas ruas de grandes metrópoles, em espetáculos musicais e festas — deixam o efêmero para conquistar permanência. Por isso virou obra de museu, com peças expostas como obras de arte. Nas palavras do criador: “Elegância não é ser notado, é ser lembrado”. Giorgio Armani será.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947