Humberto Carrão em ‘Vale Tudo’ e a defesa cruel pelo fim do sono 6j5n2t
Psicóloga Cristina Moreira Fonseca explica o prejuízo pessoal na rotina ‘acelerada’ do personagem Afonso Roitman 24gu

No remake de Vale Tudo, Manuela Dias mudou algumas nuances da personalidade de Afonso Roitman (Humberto Carrão) – se antes ele era conhecido pela sua agressividade e ciúmes, hoje é um triatleta que preza pela alta performance pessoal. Quase todos os capítulos da novela das 21h da TV Globo mostram a pesada rotina de exercícios de Afonso, que vai desde acordar às quatro horas da manhã até malhar pesado ao longo do dia. Porém, apesar de mostrar os hábitos saudáveis, tal comportamento pode gerar sequelas futuras, principalmente para a saúde mental.
No livro 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono, o teórico Jonathan Crary faz um panorama vertiginoso de um mundo cuja lógica não se prende mais a limites de tempo e espaço. Uma sociedade que funciona sob uma ordem da produtividade sem interrupções. O livro faz um panorama vertiginoso de um mundo cuja lógica não se prende mais a limites de tempo e espaço, funcionando ininterruptamente sob uma lógica para a qual o próprio ser humano é um empecilho.
Segundo a psicóloga Cristina Moreira Fonseca, essa mentalidade mostrada na novela atual faz parte de uma sociedade acelerada que acredita que é necessário poder aproveitar ao máximo as oportunidades. “Em uma sociedade em que a rapidez, a produtividade e a eficiência são incentivadas e valorizadas, os jovens se sentem pressionados a correr contra o tempo. Com a dificuldade para parar e fazer nada, falta tempo para o descanso e poucas horas de sono abrem caminho para o estresse, para a ansiedade e para a depressão”, diz à coluna GENTE.
Essa dificuldade de entender a hora da inércia também consome muita informação, o que deixa o corpo ainda mais acelerado. “Para o jovem, esse período parece curto e escasso, então além de trabalhar, fazer atividade física, socializar com amigos ele ainda e também consome muita tecnologia”, acrescenta. De fato, inicialmente acreditamos que o comportamento do Afonso é positivo para os jovens, já que mostra a importância de se envolver com diferentes atividades. No entanto, ao longo do tempo, pode ser prejudicial – ou seja, não é um bom exemplo para o telespectador. “Alcançar objetivos, desenvolver habilidades e manter uma rotina saudável parece ser fácil e possível. Porém qual o custo de tempo e emocional disso tudo? Não mostra”.
No fundo, o papel de Carrão é uma demonstração de como a sociedade ocidental abarca a ideia de que é preciso estar em constante produtividade e nunca descansar. O homem em movimento estaria, ainda que erroneamente, mais apto a solucionar crises e manter a competitividade em sua área de atuação. É mais um sintoma contemporâneo de um capitalismo moldado na chancela do não-descanso.