O que a IA pode fazer por bebês que ainda nem nasceram 1w4650
Entenda como a tecnologia pode prevenir complicações antes do primeiro choro, com explicação do especialista Rudolph Pienaar, do Boston Children’s Hospital 4v355

Como alguém que tem oito sobrinhos, posso dizer que é encantador o momento em que o bebê chuta pelas primeiras vezes durante a gestação. Para a ciência, esse momento terno pode representar algo diferente (mas não menos importante): a chance de detectar doenças graves com ajuda de ferramentas de inteligência artificial e permitir que médicos as corrijam ainda no útero.
Aprendi isso com o cientista Rudolph Pienaar, do Boston Children’s Hospital, um dos principais centros de saúde pediátrica do mundo, com quem conversei durante o evento Red Hat Summit, em maio. “Quase 90% das informações das imagens fetais ainda não foram exploradas”, diz ele. “Com IA, podemos mudar a vida de muitas pessoas, mesmo antes de elas nascerem.”
É o caso de uma condição rara chamada mielomeningocele, em que a medula espinhal não fecha completamente. Embora praticamente imperceptíveis para olhos humanos, pequenas alterações na forma como o bebê chuta servem como marcadores para que inteligências artificiais preditivas façam o diagnóstico. “Um bebê normal tem um padrão de movimento característico. Se algo está errado, ele chuta de forma diferente.”
Essa é uma das análises em implantação no projeto encabeçado por Pienaar, a plataforma ChRIS, desenvolvida no Boston Children’s Hospital, mas que é aberta, colaborativa e ível a usuários de diferentes instituições. Criado em parceria com a Red Hat, o sistema é baseado na web, o que permite que profissionais de saúde em locais remotos ou sem o a infraestrutura avançada possam utilizar a plataforma, desde que tenham conexão à internet. “No caso de imagens de acompanhamento pré-natal, estamos usando dados que já existem, sem custo adicional. Reciclamos informações que já foram adquiridas e as analisamos de forma mais profunda.”

Em que mais a IA pode ajudar durante a gestação?
Outro exemplo de aprimoramento na medicina fetal e neonatal tem a ver com a medição do comprimento das pernas em raios-X. Antes, o médico tinha que fazer tudo manualmente, quatro vezes por paciente. “Agora, a IA faz em segundos, com mais precisão”, diz Pienaar. “E estamos trabalhando em outros projetos, como a análise da placenta, que pode prever problemas na gravidez e até evitar abortos espontâneos.”
Há ainda aplicação no acompanhamento do desenvolvimento cerebral. “É possível medir o volume de diferentes estruturas do cérebro conforme a criança cresce. Isso funciona como um marcador importante para detectar problemas precocemente.”
No Brasil — descobri quando voltei para casa e fui pesquisar —, também já existem iniciativas relevantes que utilizam inteligência artificial para acompanhar grávidas e melhorar a saúde materno-infantil. Um exemplo notável é o Hospital e Maternidade Santa Joana, que desenvolveu uma plataforma de big data e IA para reduzir a reinternação e a mortalidade materna por pré-eclâmpsia.
A tecnologia analisa dados de milhares de gestantes, recém-nascidos e puérperas, permitindo intervenções precoces, e à decisão clínica e redução significativa de complicações graves durante a gravidez. Com certeza há outros casos nacionais e internacionais, que não cabe aprofundar aqui, mas que vou deixar no radar para pautas futuras.

Obstáculos burocráticos e geracionais
Imagine pedir que médicos sobrecarregados incorporem novidades tecnológicas às suas já intensas rotinas. Esse é um dos entraves relacionados à adoção de IA no ambiente hospitalar — vale para os Estados Unidos, e com certeza se aplica também ao Brasil. Existe uma resistência, em parte geracional, em parte cultural à adoção dessas ferramentas.
Também há desafios de infraestrutura. “Em um hospital, os computadores geralmente rodam programas que nem sempre comportam ferramentas de IA. E mesmo se você trouxer um servidor poderoso, o setor de TI não quer mudar nada. Eles não querem istrar sistemas novos, não querem nada que possa gerar responsabilidade extra.”
Aqui, vou fugir (um pouquinho só) do rigor jornalístico para dizer que quem acompanha séries médicas sabe que os hospitais norte-americanos são extremamente preocupados em evitar processos judiciais. O que ajuda a entender parcialmente a dificuldade de adoção de algo que pode beneficiar muitos pacientes. “Mas estamos mostrando que, quando a tecnologia é confiável e fácil de usar, as pessoas adotam. E o impacto pode ser enorme, especialmente para quem ainda nem nasceu.”
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O jornalista viajou a convite da Red Hat