Trombofilias e infertilidade: entenda relação e quando é preciso tratar 2m123l
Condição pode comprometer a implantação embrionária e aumentar o risco de abortos espontâneos; paciente deve receber acolhimento integral 6f572v

Casos como o da atriz Mariana Rios, que revelou enfrentar dificuldades para engravidar devido à trombofilia, ilustram como condições clínicas específicas também podem impactar a fertilidade. A trombofilia, por exemplo, pode comprometer a implantação embrionária e aumentar o risco de abortos espontâneos, tornando o processo reprodutivo ainda mais complexo.
Mas antes de falarmos da trombofilia, precisamos deixar claro que a espécie humana não é exatamente fértil, ao contrário, surpreendentemente insuficiente se comparada a outros mamíferos. Mesmo se fazendo um ajuste com a idade das mulheres (que constitui um fator independente para dificuldade de gravidez, já que os óvulos refletem exatamente a idade biológica da mulher), apenas 25 a 30% das concepções naturais levarão a um nascido-vivo.
Cerca de 30% das concepções vão falhar antes mesmo de se evidenciar um atraso menstrual, outros 30% poderão mesmo ter um teste de Beta HCG positivo, negativando a seguir, ou até haverá a presença de um saco gestacional quando de uma primeira ultrassonografia, mas não haverá batimentos cardíacos, o marco que definiria para nós, médicos, uma gestação “clínica”. Ainda, espera-se cerca de 10% de perdas destas gestações clínicas iniciais, devido a problemas na implantação, ou seja, na necessária construção das trocas entre o embrião e o útero. Este cenário de ineficiência é atribuído a alterações cromossomiais do embrião formado em 85% dos casos.
A interação embrião-endométrio (tecido que reveste a cavidade uterina e é o ambiente que acolhe o embrião na chegada ao útero) é fonte de muitas pesquisas, estendendo-se esta busca do conhecimento para o ambiente da reprodução assistida, na qual estes momentos são acompanhados a partir dos cultivos embrionários nos laboratórios. A implantação é o processo no qual um embrião no estágio de blastocisto, liberado de seu envoltório (zona pelúcida) busca a penetração do endométrio, onde vai se estabelecer e participar da formação da placenta. Uma infinidade de estudos busca conhecer os detalhes hormonais intracelulares deste diálogo entre embrião e endométrio.
Assim, existem duas situações que costumam dar a impressão de que a gravidez estava “tão perto” de acontecer para uma mulher ou um casal. A primeira é quando há um teste de gravidez positivo no sangue, mas a gestação não evolui e ocorre uma perda muito precoce. A segunda é quando há a falha de fixação (implantação) do embrião, o que é mostrado em uma ultrassonografia sem a presença do saco gestacional intraútero, na ausência do embrião ou sem os batimentos cardíacos esperados.
Estes dois conceitos e o desempenho reprodutivo humano explicam, portanto, uma definição médica aceita universalmente, que tem como consequência a necessidade de se evoluir ou não em outras investigações através de exames e procedimentos:
- Uma perda gestacional recorrente (RPL) é por definição aquela na qual ocorreram duas ou mais perdas gestacionais clínicas. É um risco que se acentua com a idade da mulher a partir de 35 anos e que tem correlação também com estilo de vida, consumo de álcool, fumo, drogas lícitas ou ilícitas, idade também do parceiro.
- Uma falha de implantação recorrente (RIF) é a situação secundária à fertilização in vitro, descrevendo o cenário em que a transferência prévia de embriões considerados de boa qualidade não resultou teste positivo. Alguns autores citam a falha de se obter uma gestação clínica após transferência de embriões viáveis em dois ou três ciclos de fertilização in vitro com um a quatro embriões de boa qualidade, enquanto a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) considera também uma avaliação cumulativa de possibilidade de gravidez menor que 60% em relação ao esperado como determinante para estender a avaliação.
Quando ampliamos nossa compreensão para essas falhas tão precoces e, muitas vezes, sem explicação clara, entramos em um terreno mais delicado — o das questões emocionais. A mulher, ao viver essa experiência de um útero que não se preenche, sente um vazio que vai além do físico. Essa vivência tem um peso emocional real e, muitas vezes, não é devidamente reconhecida, o que pode intensificar seu sofrimento.
Por isso, esta é uma questão complexa: quando as respostas médicas ainda não estão claras, não se deve limitar o cuidado apenas a exames e procedimentos. É fundamental considerar também o impacto emocional e acolher a mulher de forma integral.
Vamos aqui discutir um pouco sobre a questão das trombofilias, condição que predispõe à trombose, ou seja, a tendência à formação de coágulos. Além de se constituir um risco para ambos os sexos, algumas situações nas mulheres podem correlacionar trombofilias a perdas embriofetais recorrentes (o vínculo mais direto com a infertilidade), mortalidade fetal tardia inexplicada, descolamento de placenta normalmente inserida, crescimento fetal intrauterino e pré-eclâmpsia. Daí vem a importância de em algum momento se investigar as trombofilias na jornada da mulher que deseja gestar ou que tem essa trajetória interrompida.
A gravidez em si implica alterações e adaptações fisiológicas que visam ao desenvolvimento da circulação placentária, constituindo-se em um fator protetor contra as perdas sanguíneas do parto. A esse estado de hipercoagulabilidade da gravidez (tecnicamente é um estado pró-trombótico) se acrescenta uma estase venosa nas extremidades inferiores do corpo, aumentando o risco de um tromboembolismo venoso em até cinco vezes para qualquer grávida.
O desafio, portanto, é definir em que situações estas patologias devem ser rastreadas entre as mulheres, como fazer esta avaliação da presença de um fator adverso para trombofilias e, em caso positivo, quando e como tratar, sem excessos.
Os tipos de trombofilia 3w6j6d
Existem dois tipos de trombofilias: as hereditárias e as adquiridas, como a Síndrome dos Anticorpos Antifosfolipídicos (SAF). As condições hereditárias ocorrem devido a mutações genéticas em genes que codificam ou regulam fatores comuns de coagulação. A gravidade dessas doenças costuma depender se a pessoa apenas carrega a alteração genética ou se herdou duas cópias alteradas do gene — uma do pai e outra da mãe — o que pode fazer com que a mutação tenha um efeito mais forte ou dominante.
Neste caso, os exames laboratoriais incluem fator V de Leiden, mutação G20210A de protrombina, deficiência de antitrombina, das proteínas C e S. Já na SAF, há a presença de anticorpos antifosfolípidicos (aPL), que favorecem à trombose. Na SAF busca-se clinicamente se há um histórico de trombose, perdas gestacionais recorrentes menores que dez semanas de gestação, óbito fetal entre 16 e 34 semanas e laboratorialmente alteração do anticoagulante lúpico, de anticardiolipinas e da fração ß2 glicoproteina.
Segue o questionamento se as trombofilias hereditárias resultam em desfechos adversos na gravidez, e os resultados dos estudos são mistos sobre se há ou não associação com perdas gestacionais recorrentes. É importante destacar que vários estudos mostram que mulheres que possuem apenas uma cópia alterada dos genes relacionados aos dois testes de trombofilias hereditárias mais comuns — o fator V de Leiden e a mutação da protrombina G20210A — não apresentam risco aumentado de perda fetal precoce.
Definir, pois, um tratamento é questão a ser tratada com cautela, exigindo frequentemente uma visão multidisciplinar. Há variedade de regimes de tratamento para trombofilias no início da gravidez, muitas vezes sem qualquer eficácia comprovada.
Não há, por exemplo, evidências para dar e à anticoagulação no início da gestação a pacientes com trombofilias hereditárias, com o objetivo de prevenir a perda precoce da gravidez (informações confirmadas em duas metanálises que investigaram os dados disponíveis sobre o tratamento e assim definido também pela Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE). Por outro lado, houve benefício comprovado do tratamento da Síndrome dos Anticorpos Antifosfolipídicos a fim de melhorar resultados em perda recorrente de gravidez.
Uma revisão sistemática de ensaios terapêuticos para perdas recorrentes com a síndrome mostra que heparina não fracionada combinada com aspirina em baixas doses reduziu a perda precoce da gravidez em até 50%. As heparinas de baixo peso molecular também são associadas à aspirina em alguns protocolos e a entidade sugere para mulheres que preencham os critérios diagnósticos uma dose diária de 75-100 mg de aspirina iniciando antes da concepção, com a adição de heparina de baixo peso molecular profilaticamente a partir de um teste de gravidez positivo.
O uso de prednisona, um corticoide, associado à aspirina não demonstrou qualquer benefício, assim como o uso de imunoglobulina intravenosa, mesmo associada à heparina e à aspirina.
Para terminar, voltamos ao básico: casais que desejam gestar devem estar cientes de que o fator das idades e hábitos como fumo, drogas, álcool, obesidade, exercícios físicos excessivos, estresse todos têm um potencial impacto negativo sobre a fertilidade. Portanto, planejar a formação da prole é muito importante, mais que simplesmente esperar por um resultado meramente técnico nesta caminhada. O seu médico caminha junto, mas precisa de sua ajuda e cooperação.
* Maria do Carmo Borges de Souza, ginecologista com área de atuação em Reprodução Assistida, diretora da Fertipraxis Centro de Reprodução Humana (RJ), ex-presidente da Rede Latinoamericana de Reprodução Assistida (Redlara) e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA)