‘Sofri preconceito por ser um pai cadeirante’, conta Marcelo Rubens Paiva 6n4425
Autor de ‘Ainda Estou Aqui’ fala sobre paternidade no livro ‘O Novo Agora’ c6ce

Marcelo Rubens Paiva tinha 20 anos de idade quando sofreu um acidente que o deixou tetraplégico – ele fraturou a cervical ao saltar de uma pedra em um lago. A juventude marcada pelo episódio é narrada no best-seller Feliz Ano Velho, livro de 1982, que deixou Paiva famoso no Brasil. Quatro décadas depois, ele escuta dos amigos que acaba de ficar “refamoso”. A razão foi o sucesso estrondoso do filme Ainda Estou Aqui, baseado em um livro dele de 2015, e que destrincha outros episódios biográficos: o desaparecimento e a morte do pai, Rubens Paiva, pelas mãos da ditadura militar; e a força seguida pelo desvanecer da mãe, que criou cinco filhos sozinha, virou advogada e ativista, e, por fim, morreu vítima do Alzheimer. “Há um paralelo entre os dois livros: de um lado, um garoto de 20 anos que perde seu corpo, mas o cérebro está a mil por hora, e do outro uma pessoa com Alzheimer, que tem as faculdades físicas, mas perde as mentais”, analisa ele, hoje com 66 anos de idade. O olhar sobre essa trajetória é parte de seu livro recém-lançado, O Novo Agora (Alfaguara), que tem como tema principal a maturidade advinda da paternidade: Paiva é pai de dois meninos, um de 8 e outro de 11 anos, e, enquanto aprendia a criar duas crianças, lidava com os receios políticos e sociais que abalaram o Brasil na última década – entre eles a ameaça do retorno de um governo militar. Confira a seguir trechos da entrevista com o autor.
O Marcelo que escreveu Feliz Ano Velho se imaginava virando o pai que é descrito em O Novo Agora? Não, não, de jeito nenhum. Eu achava que a minha vida de jovem nunca ia acabar. Comecei a ficar mais comportado nos anos 1990, mas nos anos 2000 eu voltei a agir como jovem. Não usava mais drogas, já tinha parado há tempos – usei mais no período do acidente, por causa da dor e das náuseas. Mas eu voltei a ser jovem no sentido de que saía toda noite, vivia em teatro, cinema, no bar, na praça Roosevelt [no centro de São Paulo]. Isso até o acidente do Mário Bortolotto [dramaturgo foi baleado em um assalto no local em 2009]. Aquilo foi um susto e me fez repensar a vida. Então parei de fumar, me casei e tive um filho. Foi um amadurecimento muito tardio.
No livro você fala sobre ser deficiente e ter filhos. Como analisa essa experiência? Eu sempre soube que queria ser pai, gosto muito de criança, e sabia que minha condição não seria um impeditivo. Não imaginava o preconceito. Ouvi muito que homem não sabe cuidar de criança, ainda mais um homem cadeirante. Sofri preconceito por isso. Rolou capacitismo e também etarismo, por ser um pai mais velho. Depois, me separei, ai ficou pior, pois um homem sozinho não entende de nada. Eu aprendi muita coisa na marra. Não tinha minha mãe e meu pai para me aconselhar, e os conselhos vinham de todos os lados e de um jeito muito confuso.
Como se virou? Eu aprendi que a gente não nasce pai, a gente aprende a ser pai. Assim como a mulher não nasce mãe, ela aprende a ser mãe. E o que é mais importante, que a criança também está aprendendo a ser filho. Ela tá aprendendo a ser criança. Ela era um nadinha que, de repente, entrou para esse mundo enlouquecedor, né? Antigamente até o mundo era mais simples. Hoje o mundo é muito complicado.
Qual lição aprendeu dessa experiência? Aprendi que a melhor forma de educar uma criança é com amor, com abraço, com beijo. Não é com castigo ou jogando um brinquedo fora, como fiz uma vez e me arrependi.

Ao falar de experiências pessoais, seus livros também destrincham episódios políticos e sociais. Dessa vez, o pano de fundo lhe causou receios sobre a criação dos filhos e o mundo no qual eles vivem. Como se sente sobre isso atualmente? Eu me acalmei em relação a isso quando o Lula assumiu em 2023. Então eu consegui começar a respirar e falar: “Ufa, vamos ter quatro anos de democracia”. Para mim o desmantelamento da cultura, que é o meu ganha-pão, foi um pesadelo. E, em relação aos meus filhos, achei trágica também toda discussão sobre escola sem partido. Como assim? As escolas se tornariam cívico-militares? Ninguém sabia ao certo. De repente, tentaram criminalizar os pensamentos de Paulo Freire. Isso tudo foi um pesadelo para os pais na época.

O que foi mais impactante para você na trajetória de sucesso do filme Ainda Estou Aqui? Foi quando o filme estreou no Festival de Veneza. Foi absolutamente mágico por várias razões. Primeiro, porque minha família de origem é italiana. Depois, nos encontramos, boa parte da família, lá – eu pedi para a produção do filme quinze ingressos sem saber se eles iriam dar, ainda bem que tinha e coube todo mundo. Levei meus dois filhos, foi a primeira viagem internacional do mais novo. Foi um encontro familiar delicioso. E o filme foi muito aplaudido. As pessoas se emocionaram.
Foi mais marcante que o Oscar? O Oscar foi um prêmio, um reconhecimento. Mas o mais importante foi o reconhecimento dessa mulher, minha mãe. Na sociedade patriarcal os homens são sempre os heróis e as mulheres não são citadas. Por isso fiz esse livro. Foi muito bonito ver, de repente, o mundo reconhecer a importância de uma viúva cujo o maior ato de heroísmo foi cuidar de cinco filhos sozinha.