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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil

Acolhimento familiar deve ser ampliado, mas ainda é desconhecido 371z2v

Previsto no ECA, o serviço acolhe só 6,2% dos meninos e meninas em medidas protetivas no país 93p6c

Por Andréia Peres Atualizado em 10 jun 2025, 14h26 - Publicado em 10 jun 2025, 10h00

Em meados dos anos 1980, fiz uma matéria sobre adoção para a revista CLAUDIA e, na época, visitei a então Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), em São Paulo. Lembro que, quando cheguei lá, uma criança que deveria ter uns 2 anos me agarrou pelas pernas pedindo para levá-la. Fiquei chocada quando soube pelas assistentes sociais que muitas daquelas crianças não sabiam sequer seu nome ou idade. Eram chamadas por apelidos. Cresciam sem saber quem eram.

Nessa época, o modelo vigente era de grandes orfanatos, como esse que visitei. Não havia outras opções para acolher crianças órfãs ou abandonadas. Felizmente, isso mudou com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que previu um conjunto de medidas de proteção para garantir o bem-estar de crianças e adolescentes em situação de risco ou vulnerabilidade social.

O ECA estabeleceu que o acolhimento deve ser uma medida excepcional e temporária, com o objetivo de garantir a reintegração da criança ou adolescente à sua família biológica ou, em casos específicos, a adoção.

O acolhimento ocorre quando crianças e adolescentes de até 18 anos incompletos são afastados da família de origem por situações como negligência, abandono, violência, maus-tratos ou entrega voluntária.

ACOLHIMENTO FAMILIAR DEVERIA SER PRIORIDADE

Grosso modo, o acolhimento pode ser institucional ou familiar.  Diferentemente dos abrigos institucionais, em que há profissionais contratados para atender diversas crianças e adolescentes, o acolhimento familiar é uma modalidade em que há uma atenção ainda mais individualizada.

A criança é cuidada temporariamente por uma outra família, a chamada família acolhedora, que recebe formação, acompanhamento e uma ajuda de custo. Segundo a Coalizão Família Acolhedora, o valor médio praticado para essa ajuda de custo costuma ser entre meio e um salário-mínimo e meio por criança acolhida. Durante o período de acolhimento, essa família assume todos os cuidados e a proteção da criança e/ou do adolescente.

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Esse deveria ser o destino prioritário dessas meninas e meninos no Brasil, especialmente dos que estão na primeira infância (até 6 anos). No entanto, o serviço ainda é desconhecido e acolhe apenas 6,2% das crianças e adolescentes em medidas protetivas no país. Um total de pouco mais de 2 mil das cerca de 35 mil crianças em acolhimento.

“No imaginário popular, essas famílias são más, maltratam seus filhos”, diz Andreia Barion, diretora executiva do Instituto Fazendo História, referência no tema, em entrevista à coluna. Não há, em geral, segundo ela, um entendimento de que essas famílias também são negligenciadas pelo Estado.

“Obviamente, que há casos de violência, de abuso sexual, em que realmente não existe a possibilidade de essa criança voltar a ser inserida na sua família de origem, mas na maioria das vezes, não é isso que acontece”, afirma. Muitas das crianças retiradas de suas famílias são, segundo a especialista, filhas de mães solos que saem para trabalhar o dia inteiro e não têm com quem deixar os filhos. “A escola pública é meio período e aí fica o filho de 7 anos olhando os irmãozinhos de 5 e de 3. A vizinha vê as crianças chorando e chama o Conselho Tutelar”, relata.

Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em 2004, revelou que a maioria das crianças em abrigos (86,7%) tinha família com a qual mantinha vínculos (58,2%), sendo os motivos relacionadas à pobreza os mais citados para o abrigamento (52%). A publicação do Ipea foi um marco e ajudou a redesenhar o futuro dos serviços de acolhimento no Brasil nas duas últimas décadas.

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Um estudo feito pela Universidade de Harvard, que vem sendo replicado em São Paulo, demonstra que crianças que permanecem em abrigos por tempo prolongado, especialmente nos primeiros anos de vida, têm, em geral, déficits cognitivos e socioemocionais significativos.

Desde que esses estudos aram a ser divulgados, houve mudanças importantes nas políticas infantis da Romênia, onde foi realizada a pesquisa, como uma legislação proibindo a institucionalização de crianças com menos de 2 anos. Hoje, em alguns países como Irlanda, Austrália, Estados Unidos e Canadá, o acolhimento familiar atende mais de 90% das crianças e dos adolescentes afastados de suas famílias. Um avanço e tanto.

No Brasil, o maior problema, segundo Barion, é o desconhecimento. “Hoje, temos 22 famílias cadastradas no Instituto Fazendo História”, conta a especialista, que tem como meta acolher simultaneamente 30 crianças, o que tem se mostrado um desafio. “Para acolher 30 crianças simultaneamente, precisaria ter no mínimo 60 famílias atuantes”, diz.

Além do desconhecimento, há ainda outros desafios como lidar com a família de origem, que está temporariamente afastada do filho, e com essa criança que foi retirada da família. Também é preciso vontade política do gestor público para implementar o serviço e, claro, verba para isso. “O gestor público precisa estar informado e entender a importância do acolhimento familiar”, afirma a especialista.

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Os resultados do Instituto Fazendo História mostram que é possível dar um final feliz para essas histórias. No ano ado, cerca de metade das crianças em acolhimento familiar voltaram para as suas famílias de origem.

Apesar de existirem casos de famílias acolhedoras que adotaram a criança que acolheram, isso é, segundo ela, exceção. A regra é cuidar dessa criança temporariamente para que ela possa voltar, depois, para a sua família de origem, que não é necessariamente o pai ou a mãe, mas pode ser uma avó, uma tia. “Adotar é um projeto completamente diferente, de constituir uma família”, lembra a especialista.

Na teoria, adoção é a última medida, quando já foram esgotadas todas as possibilidades de reintegração da criança à família de origem. Infelizmente, não é o que, muitas vezes, acontece na prática. “Há casos em que as crianças são muito rapidamente colocadas em adoção”, diz Andreia Barion, lembrando a história de uma mãe com depressão pós-parto cujo bebê ainda estava mamando no peito quando foi retirado dela e colocado para adoção.

No Brasil, a política pública ainda não investe na prevenção, para apoiar essas famílias e evitar que situações como essa aconteçam. Com raras exceções, continuamos culpabilizando a pobreza, especialmente as mães em situação de extrema vulnerabilidade, sem dar nada em troca. O acolhimento familiar é uma alternativa que precisa ser divulgada e fortalecida para que mais crianças tenham a chance de crescer em segurança nas suas próprias famílias.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.

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