“Realizei tudo que queria”, diz físico Abraham Zimerman, de 95 anos 4z234l
No Brasil desde 1934, ele é um dos cientistas mais longevos do país 142c3u

Meus pais decidiram sair da Polônia para vir ao Brasil em 1934, por causa da ascensão do nazismo. Eu era muito novo, tinha apenas 6 anos, e por isso não lembro bem, é claro. Mas sei que um tio já morava aqui e ele nos convidou para vir até São Paulo. ei a infância no bairro do Bixiga. Minha mãe cuidava da casa e meu pai foi mascate, mas depois de uma cirurgia de apendicite, se juntou com um sócio para abrir uma lojinha. Estava mais ou menos com 10 anos e ajudava como caixa. Nessa época, a criançada toda trabalhava, então, meus amigos e eu brincávamos nos intervalos entre trabalho e escola. Foi uma infância feliz, mas o tempo ou e não sabia o que queria fazer, não tinha um sonho profissional. Pensava muito em engenharia, como a maioria das pessoas. Um colega na época do ginásio descobriu o curso de física na USP e me convenceu a tentar. Nós prestamos o concurso juntos e, como havia poucos candidatos, conseguimos entrar. Muitas pessoas foram saindo, mas continuei porque tive oportunidade de conhecer muita gente boa. Durante o curso, até tentei ir para Londres, onde aria uma temporada com o físico Abdus Salam, que anos depois ganhou um Nobel. Infelizmente, não consegui dinheiro para a viagem.
Logo que terminei a graduação, por volta de 1952, o José Hugo Leal Ferreira criou a Fundação Instituto de Física Teórica (IFT), para desenvolver pesquisa. Era amigo dos filhos dele, o Jorge e o Paulo. Então, comecei a me envolver. Nessa época vieram muitos pesquisadores estrangeiros para cá. Primeiro, da Alemanha e, depois, do Japão. Foram momentos difíceis, mas eles eram geniais e isso ajudou a continuar. Com o tempo, ei a me envolver mais. A princípio, a fundação oferecia alguns cursos, mas os alunos saíam sem título. A maior conquista da minha carreira acadêmica foi ajudar a criar a pós-graduação, que elevou a qualidade do instituto. Na época, porém, eu mesmo não tinha um título e precisava disso para dar aula. Então, me auto-orientei, fiz o doutorado sozinho. Nesse momento, já tinha aprendido muita coisa com os estrangeiros. Graças a isso, não foi tão difícil. Mais ou menos nessa época, em 1987, o instituto foi incorporado pela Unesp e aí as coisas deslancharam mesmo. Estou até hoje na pós do IFT.
Nesse período, conheci minhas duas esposas: a Rachela, com quem me casei em 1956 e fiquei até a sua morte, na década de 1980, e a Adélia, que conheci em 1988. Foi igual com ambas. Durante a semana, vivíamos as nossas vidas. Sempre aproveitávamos ao máximo o tempo juntos nos fins de semana. Algo que eu gostava de fazer quando criança era ear pelo centro de São Paulo e, já adulto, ei a levar minhas mulheres para esses eios. Conheci com elas a cidade toda. Com a primeira, tive quatro filhos. A segunda me deu três enteados.
Realizei tudo que queria. Nunca voltei para a Polônia porque aquela família, que era gigante, já não existia mais. Mas, depois de todo esse tempo, tive oportunidade de ir, finalmente, para Londres. Também conheci muitos outros países: Itália, França, Suíça, Estados Unidos. Hoje, não tenho mais nada para conquistar. Eu me aposentei, mas continuei frequentando a Unesp. Com a Covid-19, a universidade teve de fechar. Mas eles me mandaram um computador e trabalhei de casa. Faço tudo com ele. Precisamos continuar trabalhando, porque, se pararmos, o resto para também. Continuo orientando alunos até hoje, muitos dos quais viraram amigos. Apesar das dificuldades, tudo o que fizemos pelo instituto foi muito relevante. Orientamos muitos alunos, muitos deles foram para fora. O Brasil está bem servido em pessoas dedicadas à ciência. Tudo de que precisam é oportunidade. É o que nós proporcionamos.
Abraham Zimerman em depoimento dado a Luiz Paulo Souza
Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857