O dragão verde: a promessa inédita da China de reduzir as emissões de poluentes 581x2g
A seis meses da COP30, a maior poluidora do planeta surpreende ao sinalizar uma formidável guinada de comportamento 1gg1m

O cenário internacional não poderia ser mais desafiador para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro em Belém, no Pará. Sob o negacionismo climático do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a Casa Branca tem desfeito tratados cruciais, incluindo o Acordo de Paris, base da transição verde global. Ciente dos desafios monumentais que o evento exigirá, o Brasil intensificou seus esforços diplomáticos para preservar o engajamento internacional. Uma notícia relevante, divulgada no mês ado, pode ajudar — e muito. Durante uma reunião virtual de líderes, o presidente da China, Xi Jinping, fez um anúncio inédito: o país asiático, maior emissor de gases causadores do efeito estufa do planeta, se comprometeu a estender suas metas de descarbonização para todos os setores da economia.

Se a promessa realmente sair do papel, teremos uma formidável guinada de comportamento. Nos últimos anos, a China seguiu na contramão das principais economias desenvolvidas. Líderes das emissões globais de gases de efeito estufa, elas assumiram a responsabilidade de frear o avanço do aquecimento global. Enquanto isso, com a industrialização acelerada e a construção de mais de 1 000 usinas termelétricas movidas a carvão mineral para atender à crescente demanda energética, a China viu suas emissões dispararem. Atualmente, o país responde por 30% dos poluentes lançados na atmosfera, liderando o ranking mundial. De vilã climática, contudo, a China tenta agora se reposicionar: o governo prometeu reduzir em 65% as emissões de gases até 2035 e alcançar a neutralidade de carbono até 2060. “Os esforços substanciais do país estão começando a dar frutos”, diz Xunpeng Shi, diretor da International Society for Energy Transition Studies, da Austrália.
Há mesmo motivos para acreditar na promessa de uma “China verde”. Impulsionadas por subsídios estatais e por uma acirrada competição doméstica, as empresas locais desenvolveram métodos eficientes para a produção de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos. O resultado é que o país hoje ocupa a dianteira global nesses setores estratégicos. Além disso, a China tem desempenhado papel crucial na descarbonização da matriz elétrica, do transporte terrestre e de diversas cadeias industriais. De acordo com um relatório recente do instituto americano Global Energy Monitor (GEM), quase dois terços das grandes usinas eólicas e solares em construção no mundo estão em território chinês. “O país ou a se preocupar com a questão ambiental não apenas para melhorar a qualidade do ar em suas cidades, mas também por razões econômicas”, afirma Frank-Jürgen Richter, fundador do centro de estudos Horasis, com sede na Suíça, e ex-diretor do Fórum Econômico Mundial. “Os chineses entenderam que, se continuassem produzindo da forma antiga, perderiam o aos principais mercados internacionais.”
Dados divulgados recentemente pelo Escritório Nacional de Estatísticas da China revelam os primeiros sinais concretos da guinada rumo à economia de baixo carbono. Nos dez primeiros meses de 2024, as emissões do país ficaram abaixo do registrado no mesmo período do ano anterior (veja o quadro), o que é reflexo direto da expansão recorde na geração de energia limpa. Apesar do avanço, especialistas alertam que os próximos capítulos da transição para a economia verde serão mais desafiadores.

Setores como a produção de cimento, a indústria química e a siderurgia dependem de fornos de altas temperaturas para funcionar, e hoje a queima de combustíveis fósseis é a principal fonte de calor para esses processos. O mesmo vale para modais de difícil eletrificação, como a aviação e o transporte marítimo de longa distância, que enfrentam limitações técnicas para operar com baterias. Descarbonizar essas áreas exigirá inovação em larga escala e o desenvolvimento de soluções tecnológicas. “Apesar do otimismo, há pouca clareza sobre quais caminhos o governo chinês pretende seguir”, afirma Lauri Myllyvirta, pesquisador do Centre for Research on Energy and Clean Air, da Finlândia. Esses gargalos colocarão à prova a capacidade de os chineses tornarem, de fato, sua economia mais verde.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943